No Diário Económico de 31/07/2015:
O mundo conheceu-o através dos meios de comunicação social que o fotografaram, filmaram e só não fizeram entrevistas porque a linguagem corporal de Loukanikos - "salsicha" em grego - escusava de traduções ou argumentos. Mesmo que não saiba quem foi este rafeiro dourado, conhece-o, de certeza, de fotografias.
As primeiras aparições públicas do "cão anarquista", "cão manifestante" ou simplesmente "camarada canino", como era carinhosamente chamado pelos protestantes, aconteceram ainda em 2008, antes mesmo do primeiro pedido de resgate da Grécia. Mas foi a partir de 2010, e do primeiro pedido de ajuda financeira de Atenas, que Loukanikos ganhou a fama de "resistente" que, à semelhança do povo, não se vergava às exigências externas ou à crise. Aparecia em todas as manifestações que enchiam as ruas e era comum vê-lo entre as bombas de gás lacrimogénio arremessadas pela polícia para dispersar a multidão.
Perde-se a conta às fotografias que mostram o canino em acção, quer seja a enfrentar os escudos da polícia, a meros centímetros de distância; a correr de um lado para o outro, intranquilo, porque os tempos eram de agitação e de crise, quer até a ser escorraçado pelas autoridades helénicas. Em algumas, vislumbra-se o animal a descansar - provavelmente depois de terminada a missão para esse dia.
Em comum, Loukanikos e a crise grega tinham a resistência. O primeiro, perdeu-a em Maio de 2014, mas o anúncio oficial foi feito a 10 de Setembro. O canino grego mais famoso do Mundo não aguentou um ataque cardíaco, enquanto dormia. Tinha 10 anos e, pelo menos, seis de luta pública pela democracia e por melhores condições na Grécia. Estava "aposentado" há dois, uma retirada que coincidiu, em 2012, com o aliviar das tensões após concretizado o segundo resgate ao país. Ninguém sabe ao certo o que é que provocou os problemas cardíacos do Salsicha, embora haja quem especule que foi a exposição contínua ao gás lacrimogénio.
O sucesso deste lutador tornou-se de tal forma viral que, em 2011, foi nomeado para Animal do Ano pela revista Time. Não venceu porque foi preterido por outro cão, norte-americano, que acompanhou o grupo de SEAL que eliminou Osama bin Laden. Inspirou até o cantor norte-americano David Rovics na música ‘Riot Dog'. Tinha - ainda existe - uma página no Facebook (www.facebook.com/pages/Loukanikos/125246147492819ok.com /pages/Loukanikos/125246 147492819). O último post - eram sempre escritos na primeira pessoa - é de 1 de Setembro de 2014. A página de Loukanikos tem mais de 45.600 ‘likes'. O rafeiro partilhava as suas aventuras também através de um blogue, o Rebel Dog (http://rebeldog.tumblr.com/).
A sua morte correu o mundo noticioso, com especial relevo nas redes sociais. No entanto, foi em vida que Loukanikos se destacou: "Ele exemplificava, de alguma maneira, a inquietação dos gregos que se recusam a vergar-se", explicava a responsável pelo canil de Atenas em 2014. Uma pesquisa rápida pelo Google, mostra que há 162 mil resultados associados à palavra Loukanikos. As imagens são indescritíveis pelo realismo que retratam, mas nomeadamente pela luta desigual entre o "peludo" e as forças da autoridade.
As imagens das manifestações com Loukanikos não são, em nada, diferentes daquelas a que voltamos a assistir no âmbito do terceiro resgate à Grécia. Ao contrário desta lenda grega, a crise no país continua a resistir: as últimas previsões apontam para uma recessão de 4% este ano; o desemprego não baixa e ronda os 26% e agora luta-se contra o tempo para que não faltem bens de primeira necessidade à população, assim como aos companheiros de Loukanikos. É que no único jardim zoológico de Atenas chegou a lutar-se por alimentos para os seus animais.
Durante os anos em que deambulou pelas ruas de Atenas, Loukanikos combateu a polícia, batendo-se contra a crise. Foi o rosto de um povo ensanguentado pela faca económica e financeira. Nunca desistiu e é recordado por isso. Na altura em que começaram os protestos, já não era um cão de rua, ao contrário do que se chegou a pensar. Acompanhava o dono que o tinha adoptado uns anos antes. Os gregos não esqueceram o cão manifestante, de pelo dourado, que teve o dom de unir um povo sob um mesmo propósito de contestação. Uma das imagens mais bonitas do reconhecimento helénico é um grafito com a imagem do Salsicha onde se lê "todos os cães vão para o céu".