segunda-feira, agosto 03, 2015

São pobres e não se queixam

ARTIGO PUBLICADO NO DIÁRIO ECONÓMICO DE 31 DE JULHO 2015:

O maior problema supera a dimensão física. Acumulam-se os casos em que se esvaiu a dignidade por falta de dinheiro para comida.

Deixemos de lado os grandes e principais centros urbanos do país. Viajemos até ao interior, às regiões mais rurais e, por norma, mais pobres de Portugal.

Nos últimos anos, a crise deixou a cru a pobreza de muitos. Perderam o trabalho, o carro e a casa. A história repetiu-se tantas vezes que já todos a conhecem. O maior problema, no entanto, ultrapassa a dimensão física. Acumulam-se os casos em que se esvaiu a dignidade por falta de dinheiro para comida. Nas situações mais graves, não há sequer vontade de fazer um movimento simples como abrir a porta de casa. São pessoas estigmatizadas pela crise, que precisam de apoio. Têm défices acumulados que ultrapassam a realidade económico-financeira.

É a estas pessoas que a Segurança Social, um dos braços da Economia Social, se tem dedicado mais. São novos, idosos, homens e mulheres. São crianças cujos pais sofrem com o excesso de escassez. Mas estar dedicado não significa, necessariamente, fazer um bom trabalho. Para quem conhece estas realidades, sabe o papel que assume a "Dra./Dr. da Segurança Social". É assim que são conhecidos os assistentes sociais nos locais mais recônditos do país. São eles os intermediários entre o Estado Social e aqueles que dele precisam, literalmente como de pão para a boca. Contudo, aquilo que deveria ser uma plataforma de ligação e apoio transforma-se, por vezes, numa espécie de perseguição ao pobrezinho.

Não vale a pena pensarmos que tudo é mau. Há casos de sucesso e de reintegração bem-sucedidos. O próprio Estado tornou-se mais eficiente na selecção de quem deve receber apoios sociais. Daí que os dados do primeiro semestre do ano da Segurança Social revelem que o número de beneficiários do Rendimento Social de Inserção e do Complemento Solidário para Idosos caiu em 46 mil no intervalo de um ano. Mais rigor? É provável! Menos dinheiro disponível para ajudar? Ainda mais provável.

Dizer a alguém que perdeu - por questões diversas - a dignidade, o emprego e a vontade de sair de casa, que venda o pouco que tem - e muitas vezes sem grande valor em tempos de crise - não é sensato em momentos de depressão. Ou dizer-se a quem já paga rendas baixas - em casas onde moraram durante quase toda a vida - que encontrem rendas ainda mais baixas, esquecendo a ligação que têm ao espaço, é algo frio e terrível. Serão estes os intermediários que todos nós queremos para prestar uma ajuda tão essencial?

Há quem receba, apenas, algumas dezenas de euros do Estado sem se queixar. Mesmo que sejam 100 euros para sobreviver durante um mês e que esse valor esteja muito abaixo daquilo que alguns conhecem como limiar da pobreza. O que não lhes podem fazer é lembrar que são pobres, estigmatizando-os com a ideia de piedade. Ninguém quer esta pintura. O Estado Social não é piedade e os assistentes sociais não são uma espécie de guardiões dos pobrezinhos do Estado. 

A Economia não são só números. Daí que estes "senhores doutores", pelo poder que lhes é dado, devam saber observar este quadro em toda a sua magnitude, não se centrando na figura que aparece destacada por entre a paisagem.

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