sábado, novembro 21, 2015

Vidas Cruzadas

Artigo publicado a 19 de Novembro de 2015 no DE sobre os atentados de Paris:

Os atentados de 13 de Novembro em Paris deixaram a descoberto várias histórias que têm em comum o terrorismo, mas também a sobrevivência, a coragem e a memória que vencem o medo mesmo quando os tempos são de incerteza.
O filme “Crash”, de 2004, retratou bem a questão do preconceito e do racismo, mas mais importante, relembrou-nos que há histórias que estão inter-relacionadas.

Quis o destino que, depois da polémica mundial do ‘dieselgate’ a envolver a Volkswagen, o tema diesel fosse novamente notícia mas por causas bem mais nobres. A Diesel desta história fica, infelizmente, associada aos atentados de 13 de Novembro em Paris. Foi abatida a sangue-frio cinco dias depois, na zona de Saint-Denis, durante uma operação policial que evitou não só um novo atentado como terá servido para eliminar o cérebro da carnificina. A sua coragem fez com que, de uma mega operação e de altíssimo risco, resultassem, apenas, cinco polícias feridos. A Diesel, um dos cães-polícia utilizados pelas autoridades francesas, detectou os explosivos que preenchiam um apartamento. Morreu a fazer aquilo para que foi treinada: detectar explosivos e salvar vidas humanas. Tinha sete anos, era um pastor belga, e conseguiu terminar a sua missão com a dignidade que lhe foi permitida. A França e o mundo não a esqueceram! O hashtag #JeSuisChien foi criado em sua homenagem e foi o segundo mais utilizado, no Twitter, no mesmo dia em que foi abatida.

Nas histórias dos atentados de Paris fica ainda uma outra que serve de homenagem às, pelo menos, 129 vítimas mortais: o caso de Hélène Muyal, de 35 anos. Estava no local errado à hora errada. Perdeu a vida no teatro Bataclan quando assistia a um concerto onde um luso-descendente se fez explodir. O corpo de Muyal, que deixa um filho com apenas 17 meses, foi identificado dias depois pelo marido, Antoine Leiris, jornalista da rádio France Bleu. E foi pelo cunho deste jornalista que a história se tornou viral. Numa carta aberta e depois numa entrevista televisiva, Antoine afirmou aquilo que ninguém esperaria, que os terroristas não terão o seu ódio, apesar de lhe terem assassinado a mulher.

A história de Hélène cruza-se com uma outra, a de um menino com cerca de três anos que está com o pai junto a um dos vários locais de homenagem às vítimas de Paris. O momento é captado por uma estação televisiva. O jovem diz ao pai que têm de procurar outra casa porque há “mauzões” que matam as pessoas com armas. E mais uma vez, a resposta do pai é surpreendente ao explicar que a sua casa é em França e que as armas combatem-se com flores, as mesmas que relembram as vítimas.

As carnificinas como a de Paris têm um aspecto que, apesar da frieza indescritível dos eventos, é muito positivo: une as pessoas e revela-lhes que há muitas histórias que se cruzam sem que isso fosse premeditado.
Estas três histórias – haverá muitas outras! – partilham o selo de sangue dos atentados terroristas de Paris. O mesmo que marcou também o jogo de futebol entre a Inglaterra e a França, no Estádio de Wembley. As nações uniram-se e o estádio vestiu-se com as cores da bandeira francesa. Nas bancadas e no campo ouviram-se mais de 80 mil pessoas a entoar “A Marselhesa”. Foi simbólico. Tão simbólico quanto as flores que, para uma criança de três anos, têm a capacidade de destruir armas ou a coragem de Diesel que padeceu para evitar que outros inocentes tivessem o mesmo destino de Hélène.

quarta-feira, novembro 18, 2015

Ensaio sobre a cegueira

Artigo de opinião no Diário Económico de 17/11/2015:

Os disparos verbais foram imediatos e mantêm-se nos dias subsequentes aos atentados de Paris. Dissemina-se a teoria do medo e tenta-se, ao máximo, generaliza-la. 
Por cá, o que há de novo são as velhas opiniões cegas sobre os povos que por motivos ideológicos, religiosos ou por mero vestuário destoam do nosso status quo. São manifestações dos extremistas contra muçulmanos; é a questão dos refugiados que põem em risco o “nosso” país e que vêm para nos matar com as suas bombas presas à cintura. 
A resposta está à vista com o recurso à força e à violência. O que Portugal e os mais cegos não esperavam era que um dos homens-bomba de Paris, terrorista frio e impiedoso, fosse luso-descendente. 
E aqui está a verdadeira novidade. Será que, daqui em diante, vamos todos pensar bem antes de abrir a boca? Ou será que vamos manter a cegueira, ignorando que a mãe do Ismael é portuguesa, e destacando o pai que é Argelino?

segunda-feira, novembro 09, 2015

A teoria das teorias

Sim, o comércio externo da China contraiu em Outubro. Sim, o mercado quer agora acreditar - é para isso que apontam as probabilidades - que a FED vai subir juros, pela primeira vez em quase 10 anos, já em Dezembro e que o BCE pode aumentar os estímulos à Zona Euro. Sim, saíram previsões da OCDE que deixaram a malta em alerta. E todos estes factores, juntos e misturados, criaram pressões sobre os mercados. A esta longa equação juntou-se outro aspecto: o caminho da independência da Catalunha. Mas há um ponto que não é verdadeiro: que foram estes factores que transformaram os mercados nacionais, hoje, num vasto manto de vermelho carregado.

A bolsa afundou mais de quatro por cento, com o sector da banca - o mais avesso e exposto à incerteza - a ser completamente fustigado com perdas de quase 10 por cento! Não vale a pena criarmos ilusões porque a equação é simples: incerteza = pressões. Não estou a falar do partido que governa porque também não é para isso que olham os investidores que nos emprestam dinheiro e investem no país e nas nossas empresas. Refiro-me à incerteza pura e dura. E neste ponto, este acordo bilateral do PS com BE e do PS com o PCP há-de confrontar-se com decisões em que não haverá maioria parlamentar - basta que o BE, por exemplo, apoie e o PCP não! Ou vice-versa. Para que haja maioria parlamentar, num governo minoritário socialista, é preciso que haja, sempre, o apoio dos três partidos.

Aquilo que a bolsa hoje expressou, em simultâneo com o mercado secundário de dívida, foi que não concorda com um meio acordo. Querem um acordo total e têm medo que, perante a incerteza, o país pare.
Quanto ao resto, não interessa se é do PS ou do PSD. E não há! Não há um acordo transversal. Daí que os juros sobre a dívida portuguesa a 10 anos tenham ultrapassado hoje os 2,9 por cento, o valor mais alto em quatro meses. E aqui podemos, todos, agradecer ao facto do BCE estar no mercado para não termos assistido a uma pressão vendedora ainda maior. Hoje, pelos motivos que enumerei no início deste texto, os juros das dívidas periféricas também subiram. Mas nada que se compare com as yield sobre a dívida nacional. Portugal voltou hoje a pagar mais de 2% do que a Alemanha para emitir dívida a 10 anos (no mercado secundário); mais 1% do que Itália.

Só esta segunda-feira evaporaram-se do PSI20 qualquer coisa como dois mil milhões de euros. Esqueçam a teoria do papão dos mercados e deixem as teorias de lado porque os números que estão neste texto são factuais.