Os atentados de 13 de Novembro em Paris deixaram a descoberto várias histórias que têm em comum o terrorismo, mas também a sobrevivência, a coragem e a memória que vencem o medo mesmo quando os tempos são de incerteza.
O filme “Crash”, de 2004, retratou bem a questão do preconceito e do racismo, mas mais importante, relembrou-nos que há histórias que estão inter-relacionadas.
Quis o destino que, depois da polémica mundial do ‘dieselgate’ a envolver a Volkswagen, o tema diesel fosse novamente notícia mas por causas bem mais nobres. A Diesel desta história fica, infelizmente, associada aos atentados de 13 de Novembro em Paris. Foi abatida a sangue-frio cinco dias depois, na zona de Saint-Denis, durante uma operação policial que evitou não só um novo atentado como terá servido para eliminar o cérebro da carnificina. A sua coragem fez com que, de uma mega operação e de altíssimo risco, resultassem, apenas, cinco polícias feridos. A Diesel, um dos cães-polícia utilizados pelas autoridades francesas, detectou os explosivos que preenchiam um apartamento. Morreu a fazer aquilo para que foi treinada: detectar explosivos e salvar vidas humanas. Tinha sete anos, era um pastor belga, e conseguiu terminar a sua missão com a dignidade que lhe foi permitida. A França e o mundo não a esqueceram! O hashtag #JeSuisChien foi criado em sua homenagem e foi o segundo mais utilizado, no Twitter, no mesmo dia em que foi abatida.
Nas histórias dos atentados de Paris fica ainda uma outra que serve de homenagem às, pelo menos, 129 vítimas mortais: o caso de Hélène Muyal, de 35 anos. Estava no local errado à hora errada. Perdeu a vida no teatro Bataclan quando assistia a um concerto onde um luso-descendente se fez explodir. O corpo de Muyal, que deixa um filho com apenas 17 meses, foi identificado dias depois pelo marido, Antoine Leiris, jornalista da rádio France Bleu. E foi pelo cunho deste jornalista que a história se tornou viral. Numa carta aberta e depois numa entrevista televisiva, Antoine afirmou aquilo que ninguém esperaria, que os terroristas não terão o seu ódio, apesar de lhe terem assassinado a mulher.
A história de Hélène cruza-se com uma outra, a de um menino com cerca de três anos que está com o pai junto a um dos vários locais de homenagem às vítimas de Paris. O momento é captado por uma estação televisiva. O jovem diz ao pai que têm de procurar outra casa porque há “mauzões” que matam as pessoas com armas. E mais uma vez, a resposta do pai é surpreendente ao explicar que a sua casa é em França e que as armas combatem-se com flores, as mesmas que relembram as vítimas.
As carnificinas como a de Paris têm um aspecto que, apesar da frieza indescritível dos eventos, é muito positivo: une as pessoas e revela-lhes que há muitas histórias que se cruzam sem que isso fosse premeditado.
Estas três histórias – haverá muitas outras! – partilham o selo de sangue dos atentados terroristas de Paris. O mesmo que marcou também o jogo de futebol entre a Inglaterra e a França, no Estádio de Wembley. As nações uniram-se e o estádio vestiu-se com as cores da bandeira francesa. Nas bancadas e no campo ouviram-se mais de 80 mil pessoas a entoar “A Marselhesa”. Foi simbólico. Tão simbólico quanto as flores que, para uma criança de três anos, têm a capacidade de destruir armas ou a coragem de Diesel que padeceu para evitar que outros inocentes tivessem o mesmo destino de Hélène.