terça-feira, agosto 04, 2015

Loukanikos: o cão que soube unir os gregos

No Diário Económico de 31/07/2015:

O mundo conheceu-o através dos meios de comunicação social que o fotografaram, filmaram e só não fizeram entrevistas porque a linguagem corporal de Loukanikos - "salsicha" em grego - escusava de traduções ou argumentos. Mesmo que não saiba quem foi este rafeiro dourado, conhece-o, de certeza, de fotografias.

As primeiras aparições públicas do "cão anarquista", "cão manifestante" ou simplesmente "camarada canino", como era carinhosamente chamado pelos protestantes, aconteceram ainda em 2008, antes mesmo do primeiro pedido de resgate da Grécia. Mas foi a partir de 2010, e do primeiro pedido de ajuda financeira de Atenas, que Loukanikos ganhou a fama de "resistente" que, à semelhança do povo, não se vergava às exigências externas ou à crise. Aparecia em todas as manifestações que enchiam as ruas e era comum vê-lo entre as bombas de gás lacrimogénio arremessadas pela polícia para dispersar a multidão.

Perde-se a conta às fotografias que mostram o canino em acção, quer seja a enfrentar os escudos da polícia, a meros centímetros de distância; a correr de um lado para o outro, intranquilo, porque os tempos eram de agitação e de crise, quer até a ser escorraçado pelas autoridades helénicas. Em algumas, vislumbra-se o animal a descansar - provavelmente depois de terminada a missão para esse dia.

Em comum, Loukanikos e a crise grega tinham a resistência. O primeiro, perdeu-a em Maio de 2014, mas o anúncio oficial foi feito a 10 de Setembro. O canino grego mais famoso do Mundo não aguentou um ataque cardíaco, enquanto dormia. Tinha 10 anos e, pelo menos, seis de luta pública pela democracia e por melhores condições na Grécia. Estava "aposentado" há dois, uma retirada que coincidiu, em 2012, com o aliviar das tensões após concretizado o segundo resgate ao país. Ninguém sabe ao certo o que é que provocou os problemas cardíacos do Salsicha, embora haja quem especule que foi a exposição contínua ao gás lacrimogénio.

O sucesso deste lutador tornou-se de tal forma viral que, em 2011, foi nomeado para Animal do Ano pela revista Time. Não venceu porque foi preterido por outro cão, norte-americano, que acompanhou o grupo de SEAL que eliminou Osama bin Laden. Inspirou até o cantor norte-americano David Rovics na música ‘Riot Dog'. Tinha - ainda existe - uma página no Facebook (www.facebook.com/pages/Loukanikos/125246147492819ok.com /pages/Loukanikos/125246 147492819). O último post - eram sempre escritos na primeira pessoa - é de 1 de Setembro de 2014. A página de Loukanikos tem mais de 45.600 ‘likes'. O rafeiro partilhava as suas aventuras também através de um blogue, o Rebel Dog (http://rebeldog.tumblr.com/).

A sua morte correu o mundo noticioso, com especial relevo nas redes sociais. No entanto, foi em vida que Loukanikos se destacou: "Ele exemplificava, de alguma maneira, a inquietação dos gregos que se recusam a vergar-se", explicava a responsável pelo canil de Atenas em 2014. Uma pesquisa rápida pelo Google, mostra que há 162 mil resultados associados à palavra Loukanikos. As imagens são indescritíveis pelo realismo que retratam, mas nomeadamente pela luta desigual entre o "peludo" e as forças da autoridade.

As imagens das manifestações com Loukanikos não são, em nada, diferentes daquelas a que voltamos a assistir no âmbito do terceiro resgate à Grécia. Ao contrário desta lenda grega, a crise no país continua a resistir: as últimas previsões apontam para uma recessão de 4% este ano; o desemprego não baixa e ronda os 26% e agora luta-se contra o tempo para que não faltem bens de primeira necessidade à população, assim como aos companheiros de Loukanikos. É que no único jardim zoológico de Atenas chegou a lutar-se por alimentos para os seus animais.

Durante os anos em que deambulou pelas ruas de Atenas, Loukanikos combateu a polícia, batendo-se contra a crise. Foi o rosto de um povo ensanguentado pela faca económica e financeira. Nunca desistiu e é recordado por isso. Na altura em que começaram os protestos, já não era um cão de rua, ao contrário do que se chegou a pensar. Acompanhava o dono que o tinha adoptado uns anos antes. Os gregos não esqueceram o cão manifestante, de pelo dourado, que teve o dom de unir um povo sob um mesmo propósito de contestação. Uma das imagens mais bonitas do reconhecimento helénico é um grafito com a imagem do Salsicha onde se lê "todos os cães vão para o céu".

segunda-feira, agosto 03, 2015

Passos, Portas e Costa: os três Mosqueteiros

O artigo de hoje no Diário Económico:

A bandeira das eleições legislativas de Outubro bem podia ser "um por todose todos por um", mas vai ser dois contra um, um contra dois ou, quem sabe, todos contra todos.

A questão de fundo é, no entanto, outra. Para lá dos programas que as partes apresentaram, com mais ou menos críticas ao passado e ambições para o futuro, o importante é que se defina uma estratégia conjunta. Nos discursos, só se pedem maiorias; de consenso, ninguém quer saber! As sondagens - cada vez mais falíveis - mostram que a maioria será atribuída à abstenção. 

Os eleitores não votam porque não acreditam nestes "mosqueteiros". Mas, mais importante, os portugueses já perceberam - mesmo sem lerem Alexandre Dumas - que um país dividido, sem consensos estruturantes, e com ataques constantes de parte a parte é como um romance sem a história de amor pelo meio. Não é romance, nem vive, porque a história se repete no mau sentido. O país vai a votos. E o futuro fica, uma vez mais, para as calendas?

São pobres e não se queixam

ARTIGO PUBLICADO NO DIÁRIO ECONÓMICO DE 31 DE JULHO 2015:

O maior problema supera a dimensão física. Acumulam-se os casos em que se esvaiu a dignidade por falta de dinheiro para comida.

Deixemos de lado os grandes e principais centros urbanos do país. Viajemos até ao interior, às regiões mais rurais e, por norma, mais pobres de Portugal.

Nos últimos anos, a crise deixou a cru a pobreza de muitos. Perderam o trabalho, o carro e a casa. A história repetiu-se tantas vezes que já todos a conhecem. O maior problema, no entanto, ultrapassa a dimensão física. Acumulam-se os casos em que se esvaiu a dignidade por falta de dinheiro para comida. Nas situações mais graves, não há sequer vontade de fazer um movimento simples como abrir a porta de casa. São pessoas estigmatizadas pela crise, que precisam de apoio. Têm défices acumulados que ultrapassam a realidade económico-financeira.

É a estas pessoas que a Segurança Social, um dos braços da Economia Social, se tem dedicado mais. São novos, idosos, homens e mulheres. São crianças cujos pais sofrem com o excesso de escassez. Mas estar dedicado não significa, necessariamente, fazer um bom trabalho. Para quem conhece estas realidades, sabe o papel que assume a "Dra./Dr. da Segurança Social". É assim que são conhecidos os assistentes sociais nos locais mais recônditos do país. São eles os intermediários entre o Estado Social e aqueles que dele precisam, literalmente como de pão para a boca. Contudo, aquilo que deveria ser uma plataforma de ligação e apoio transforma-se, por vezes, numa espécie de perseguição ao pobrezinho.

Não vale a pena pensarmos que tudo é mau. Há casos de sucesso e de reintegração bem-sucedidos. O próprio Estado tornou-se mais eficiente na selecção de quem deve receber apoios sociais. Daí que os dados do primeiro semestre do ano da Segurança Social revelem que o número de beneficiários do Rendimento Social de Inserção e do Complemento Solidário para Idosos caiu em 46 mil no intervalo de um ano. Mais rigor? É provável! Menos dinheiro disponível para ajudar? Ainda mais provável.

Dizer a alguém que perdeu - por questões diversas - a dignidade, o emprego e a vontade de sair de casa, que venda o pouco que tem - e muitas vezes sem grande valor em tempos de crise - não é sensato em momentos de depressão. Ou dizer-se a quem já paga rendas baixas - em casas onde moraram durante quase toda a vida - que encontrem rendas ainda mais baixas, esquecendo a ligação que têm ao espaço, é algo frio e terrível. Serão estes os intermediários que todos nós queremos para prestar uma ajuda tão essencial?

Há quem receba, apenas, algumas dezenas de euros do Estado sem se queixar. Mesmo que sejam 100 euros para sobreviver durante um mês e que esse valor esteja muito abaixo daquilo que alguns conhecem como limiar da pobreza. O que não lhes podem fazer é lembrar que são pobres, estigmatizando-os com a ideia de piedade. Ninguém quer esta pintura. O Estado Social não é piedade e os assistentes sociais não são uma espécie de guardiões dos pobrezinhos do Estado. 

A Economia não são só números. Daí que estes "senhores doutores", pelo poder que lhes é dado, devam saber observar este quadro em toda a sua magnitude, não se centrando na figura que aparece destacada por entre a paisagem.